Atualmente, estão entre os principais desafios no tratamento e controle da tuberculose detectar precocemente e vencer a resistência do Mycobacterium tuberculosis, o bacilo causador da doença, aos medicamentos disponíveis, além da associação entre a tuberculose e o vírus da imunodeficiência humana (HIV). Essa resistência acontece por mutações em diferentes genes ainda não completamente conhecidas.
Informações precisas conseguidas por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, com o sequenciamento genômico total do Mycobacterium tuberculosis resistente a medicamentos, abrem novas perspectivas para o diagnóstico precoce e o tratamento mais eficaz desse tipo de tuberculose e, com isso, o controle da doença. “Os resultados trouxeram informações sobre as diferentes mutações envolvidas na resistência desse bacilo a uma gama de medicamentos, e tudo isto pode ser obtido a partir de um único teste”, enfatiza a pesquisadora Cinara Feliciano, uma das autoras do estudo.
O tratamento de primeira linha para a tuberculose é composto de quatro drogas – rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol. “Estas são as drogas mais eficazes no combate à doença. No entanto, em caso de resistência do Mycobacterium tuberculosis a uma ou mais destas drogas, é necessário utilizar outros medicamentos, muito mais caros e por um tempo muito maior (de seis para 18 a 24 meses de tratamento). Nestes casos associa-se um conjunto de drogas denominadas de segunda linha, como as fluoroquinolonas e os aminoglicosídeos injetáveis, que são drogas mais tóxicas e menos potentes”, explica Cinara.
A pesquisadora alerta que a resistência do bacilo aos medicamentos ameaça o controle da doença que em 2016 atingiu cerca de 10 milhões de pessoas no mundo, com 490 mil novos casos de tuberculose multidroga-resistente, ou seja, a tuberculose resistente aos dois principais fármacos que compõem o esquema de tratamento de primeira linha – rifampicina e isoniazida.
No Brasil, também em 2016, foram diagnosticados 1.044 casos com resistência a medicamentos de primeira linha. Em Moçambique, estimou-se em 10 mil casos novos com resistência a esses fármacos no mesmo ano. “A Organização Mundial da Saúde publicou em 2015 três listas de países com alta carga de tuberculose: a primeira com países com alta incidência da doença; a segunda, países com elevado número de coinfecção de tuberculose/HIV (a presença das duas doenças); e por último aquela associada à alta carga de tuberculose multidroga-resistente. O Brasil está incluído nas duas primeiras listas, e Moçambique foi incluído nas três. Por isso, a escolha do estudo recair sobre dados do Brasil e de Moçambique. “Os dois países estão entre os 30 que concentram cerca de 87% dos casos de tuberculose no mundo.”
Segundo Cinara, o estudo tem impacto positivo para tratar pacientes de regiões com alta incidência da doença e com difícil acesso ao diagnóstico. “O aumento da transmissão destes bacilos resistentes na comunidade só aumenta, pois o ‘teste de referência’ para detectá-la é o teste fenótipo, que é de difícil execução, e os resultados demoram em média oito semanas.”
Cinara lembra, ainda, que os casos de doença resistente aos fármacos de primeira linha são subdiagnosticados em vários países, incluindo o Brasil e Moçambique, devido à escassez de laboratórios capazes de realizar testes de sensibilidade do agente aos fármacos, que são fundamentais para a caracterização da resistência.
A pesquisa
A pesquisa teve como objetivo identificar as mutações e os mecanismos de resistência e com isso a definição de alvos para o desenvolvimento de novos medicamentos para a tuberculose. Para o sequenciamento genético do Mycobacterium tuberculosis, os pesquisadores utilizaram o teste de suscetibilidade a drogas fenotípico, o mais utilizado, padrão de referência para o diagnóstico da tuberculose resistente em todo o mundo.
Os testes foram feitos com bacilos coletados em pacientes do Brasil, no Hospital das Clínicas da FMRP, e de Moçambique, no Hospital Central da Beira. “O número de casos de doença associado à resistência é muito maior em Moçambique, e naquele país, de forma geral, os casos analisados apresentaram resistência a um maior número de fármacos em comparação com os isolados do Brasil.”
O artigo Accuracy of whole genome sequencing versus phenotypic (MGIT) and commercial molecular tests for detection of drug-resistant Mycobacterium tuberculosis isolated from patients in Brazil and Mozambique é parte do doutorado de Cinara e foi publicado na Revista Tuberculosis, da Elsevier, em abril. Além de Cinara, assinam o artigo Evangelina Inacio Namburete, Jéssica Rodrigues Plaça, Kamila Peronni, Valdes Roberto Bollela e Wilson Araújo Silva Jr, todos da FMRP, e Anzaan Dippenaar e Robin Mark Warren, da Faculdade de Medicina e Ciências da Saúde da Universidade de Stellenbosch, África do Sul.
Perspectivas para estudos na área
O sequenciamento genômico é uma técnica diagnóstica com grande potencial e diferentes possibilidades de utilização na tuberculose, “pois além de detectar as mutações de resistência do bacilo ele também é uma ferramenta capaz de auxiliar nos estudos de transmissão da doença na comunidade, em hospitais e presídios”, diz o professor Valdes Roberto Bollela, da FMRP e um dos autores do estudo. Outra potencialidade da técnica, diz Bolella, é o estudo das linhagens do M. tuberculosis e as características de virulência, capacidade do bacilo de causar doença em seres humanos.
O Laboratório de Micobactérias e Diagnóstico Molecular do HCFMRP, coordenado pelo professor Bolella, em parceria com o Centro de Medicina Genômica do HCFMRP, tem desenvolvido vários estudos utilizando o sequenciamento genômico para a compreensão destes aspectos ligados à doença e à sua transmissão. Com informações da USP.