Um consórcio com a participação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) quer sequenciar o DNA de toda a vida na Terra. Estima-se que existam no planeta entre 10 milhões e 15 milhões de espécies como plantas, animais, fungos e outros organismos cujas células têm um núcleo que abriga seu DNA cromossômico.
No entanto, apenas 14% das estruturas (2,3 milhões) são conhecidas e menos de 0,1% (15 mil) tiveram o DNA sequenciado completamente. De acordo com pesquisadores da área, o conhecimento dessa fração reduzida da biodiversidade resultou em avanços enormes na agricultura, medicina e indústrias baseadas em biotecnologia, além de melhorias nas estratégias para conservação de animais ameaçados de extinção.
Para explorar o potencial científico, econômico, social e ambiental da biodiversidade terrestre, o grupo internacional de pesquisadores pretende sequenciar, catalogar e caracterizar o genoma de todas as espécies eucarióticas da Terra ao longo de 10 anos.
Os objetivos e os desafios da iniciativa, denominada Projeto BioGenoma da Terra (EBP, na sigla em inglês), foram descritos em artigo publicado nesta semana na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, da Academia Norte-Americana de Ciências.
Participação
O projeto terá participação da Fapesp no âmbito dos programas de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (Biota) e de Pesquisa em eScience e Data Science.
“A participação no Projeto BioGenoma da Terra abre para pesquisadores no Estado de São Paulo a possibilidade de participar em um dos projetos mais ousados da atualidade. Além disso, sendo o Brasil um dos países mais biodiversos, os objetivos podem contribuir de forma muito destacada”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp.
O projeto é considerado um dos mais ambiciosos da história da biologia e, na avaliação dos coordenadores, só será possível realizá-lo agora em razão dos avanços na tecnologia de sequenciamento genômico, computação de alto desempenho, armazenamento de dados e da queda de custo do sequenciamento de genoma.
Vale destacar, ainda, a valorização dos “biobancos”, locais que armazenam a biodiversidade de forma catalogada, como museus, herbários e centros de coleção de culturas.
Recursos
Com o custo atual de US$ 1 mil para sequenciar o genoma de um vertebrado de tamanho médio caindo, será possível sequenciar, ao custo aproximado de US$ 4,7 bilhões, o genoma de todo o 1,5 milhão de espécies conhecidas de eucariotos, bem como de entre 10 e 15 milhões de espécies desconhecidas – a maioria deles organismos unicelulares, insetos e pequenos animais nos oceanos –, estimam os coordenadores da iniciativa.
O investimento, que inclui gastos com instrumentos de sequenciamento, coletas de amostras, armazenamento, análise, visualização e disseminação de dados e gerenciamento de projetos, é comparável ao investido no Projeto Genoma Humano, iniciado em 1990 e concluído em 2003, que custou US$ 4,8 bilhões.
Os recursos do Projeto Genoma Humano tiveram impacto não apenas na medicina humana, mas na medicina veterinária, biociência agrícola, biotecnologia, ciência ambiental, energia renovável, ciência forense e biotecnologia industrial. Um relatório de 2013 do Battelle Memorial Institute estimou o benefício financeiro do projeto para a economia dos Estados Unidos em cerca de US$ 1 trilhão.
Aplicação
Após a conclusão do projeto, muitos organismos de importância biomédica, agrícola e industrial tiveram seus genomas sequenciados. Em 2015, um grupo de pesquisadores das universidades da Califórnia em Davis e de Illinois e do Instituto Smithsonian, nos Estados Unidos, organizou uma reunião com representantes de universidades, instituições de pesquisa e agências de fomento de diversos países (que deu origem ao Projeto BioGenoma da Terra).
Eles decidiram que um projeto ainda mais ambicioso era necessário: sequenciar o DNA de toda a vida complexa na Terra. O professor de evolução e ecologia na Universidade da Califórnia em Davis e presidente do grupo de trabalho que originou o projeto, Harris Lewin, estima que os impactos econômicos do projeto BioGenoma da Terra poderão ser semelhantes ou até mesmo superar os do Genoma Humano.
Com a diferença de que serão distribuídos globalmente e, principalmente, para países em desenvolvimento, como o Brasil, que detém grande parte da biodiversidade mundial. “O Projeto BioGenoma da Terra lançará as bases científicas para uma nova bioeconomia que tem o potencial de trazer soluções inovadoras para problemas de saúde, ambientais, econômicos e sociais para pessoas em todo o mundo, especialmente em países subdesenvolvidos que possuem ativos de biodiversidade significativos”, disse Harris Lewin, em comunicado à imprensa.
Em agosto de 2017, com o objetivo de envolver a comunidade científica brasileira no projeto, a Fapesp e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) organizaram o Workshop Biodiversity and Biobank. Realizado no auditório da entidade, o evento contou com a presença de Lewin, além de pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos.
Impactos
Na avaliação dos coordenadores do EBP, os resultados do sequenciamento do genoma de todas as espécies eucarióticas existentes na Terra possibilitarão o desenvolvimento de melhores ferramentas de conservação de espécies e ecossistemas ameaçados – particularmente aqueles afetados pelas mudanças climáticas – e de preservação e melhoria de serviços ecossistêmicos.
O Índice Planeta Vivo, que mede as tendências da diversidade biológica da Terra, aponta que entre 1970 e 2017 ocorreu um declínio de 58% das populações de vertebrados. A União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) estima que entre 23 mil e 80 mil espécies pesquisadas hoje estão se aproximando da extinção.
Estima-se que até 50% das espécies podem se extinguir até 2050, principalmente devido ao uso intensivo de recursos naturais, destacam os autores do artigo.
“O Projeto BioGenoma da Terra nos dará uma visão sobre a história e a diversidade da vida e nos ajudará a entender melhor como conservá-la”, explica Gene Robinson, diretor do Instituto de Biologia Genômica da Universidade de Illinois e copresidente do grupo de trabalho que deu origem ao projeto.
Parcerias
O grupo de trabalho também avalia que o projeto será essencial para o desenvolvimento de novos medicamentos que combatem doenças infecciosas e hereditárias, bem como para a criação de novos combustíveis biológicos sintéticos e fontes de alimentos à população humana, que deve atingir 9,6 bilhões de pessoas até 2050.
“Estamos no meio do sexto grande evento de extinção da vida em nosso planeta, que não só ameaça as espécies selvagens, mas também representa um perigo para a oferta global de alimentos”, ressaltam os autores do artigo na revista norte-americana.
Para atingir os objetivos de sequenciar o genoma da biodiversidade da Terra e disponibilizar as informações em um repositório digital aberto, a iniciativa está estabelecendo uma série de parcerias com grupos de cientistas que trabalham com vários grupos de organismos.
Desafios
Alguns dos principais desafios serão coordenar as iniciativas de sequenciamento genômico em andamento, desenvolver uma estratégia global para coleta e preservação adequada de exemplares para permitir a produção de conjuntos de genomas de alta qualidade e criar ferramentas de computação que possibilitem interpretar as sequências genômicas armazenadas. E, sobretudo, disponibilizá-las de modo organizado à comunidade científica e para a sociedade.
“O sequenciamento do genoma dos organismos talvez represente a etapa mais fácil do projeto. Os maiores desafios serão ter amostras de material com a qualidade necessária e ferramentas que possibilitem interpretar a enorme quantidade de dados que serão gerados”, ressalta Marie-Anne Van Sluys, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), que integra o grupo de trabalho que coordena o projeto.
Os pesquisadores estimam que o sequenciamento do genoma dos organismos deverá exigir cerca de 1 exabyte (1 bilhão de gigabytes) de capacidade de armazenamento digital e gerará desafios para o desenvolvimento de algoritmos computacionais que possibilitem visualizar, comparar e entender a conexão das sequências do genoma com a evolução dos ecossistemas.
Além disso, poderá dar origem a novas tecnologias para coleta de amostras utilizando drones, veículos terrestres e aquáticos autônomos equipados com câmeras de alta resolução. “O projeto representa uma oportunidade para nós, pesquisadores no Brasil, de criar e inovar não só em sequenciamento de genoma, mas também em análise e visualização de dados, coleta, preservação de amostras e outros fatores”, avalia Marie-Anne Van Sluys.
Fonte: www.labnetwork.com.br