Trabalho desenvolvido em 5 cidades brasileiras acompanhou 526 voluntários que passaram a usar o antirretrovirais como estratégia de prevenção.
Estudo inédito realizado em cinco cidades mostra que o uso de antirretrovirais para prevenir o HIV foi eficaz em 100% dos casos. O trabalho acompanhou 526 voluntários que passaram a usar o medicamento como estratégia de prevenção.
No período avaliado, nenhuma das pessoas que usavam o medicamento contraiu o HIV.
“Três infecções foram identificadas, mas entre pessoas que esperavam para iniciar o uso da Prep (terapia pré-exposição)”, disse o coordenador do trabalho, o pesquisador Alexandre Grangeiro, da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, o resultado confirma a importância da estratégia e reforça a necessidade de implementação no Sistema Único de Saúde.
Batizado de “Combina!”, o estudo financiado pelo Departamento de DST/Aids do Ministério da Saúde, CNPQ e Unesco trouxe uma surpresa relacionada à motivação dos usuários. A maior parte disse estar em busca de qualidade de vida.
Mas o trabalho também revela os desafios que serão enfrentados para garantir a eficácia da estratégia. A começar pelo acesso.
A Prep é indicada para pessoas de maior vulnerabilidade para a infecção, como transexuais, profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens e casais em que um dos parceiros é soropositivo e outro não.
Os centros que participaram do estudo seguiram essa orientação. No entanto, a maior parte dos voluntários era composta de homens que fazem sexo com homens (93,4%).
Essa diferença no acesso, avalia Grangeiro, precisa ser corrigida. “Se todos os grupos vulneráveis não forem atingidos, a Prep perde parte importante do impacto.”
O trabalho trouxe à tona ainda a resistência de parte dos profissionais. “Quase 40% afirmaram que a Prep não era totalmente segura e 43% dizem que preservativos são mais eficazes”, destacou o pesquisador. Essas respostas foram dadas mesmo depois de profissionais passarem por treinamento.
Para ele, a oferta da Prep vai provocar nos serviços um aumento da demanda. “O ideal é ajustar o atendimento, estabelecendo atribuições específicas para cada profissional e, sobretudo, reduzindo o tempo de espera das pessoas.”
Como se trata de uma estratégia de prevenção que é feita por um longo período de tempo, as pessoas não têm como, a cada três meses, perder horas no serviço. “Daí a importância de oferecer horários alternativos: próximo do almoço, aos sábados, à noite.”
Tranquilidade
Há mais de um ano usando a Prep, o produtor cultural Leonardo Zufo diz ter enfrentado algumas vezes problemas na assistência.
“Em um determinado momento houve redução do medicamento, o que me levou a voltar mais vezes para o centro.” Apesar das dificuldades eventuais no atendimento, Zufo assegura que sua qualidade de vida melhorou com a Prep. “Hoje estou mais tranquilo. Eu me sinto protegido.”
Sem namorado fixo, ele conta que com a terapia já não usa preservativos em todas as relações.
“Deixo para os parceiros que não conheço muito bem. Afinal, o medicamento não protege contra outras DSTs.”
Até o momento, ele diz não ter sentido nenhum efeito colateral e não ter problemas para tomar o remédio todos os dias.
“Tem de ser pela manhã. É como um suplemento. Se incorporado na rotina, a gente não esquece.”
Antes de usar a Prep, Zufo já havia recorrido duas vezes aos antirretrovirais para prevenir o HIV.
Mas, naquelas ocasiões, o uso dos remédios foi feito depois de uma situação de risco, a chamada terapia pós-exposição.
Nessas duas ocasiões, ele tomou diariamente, por um período de 28 dias, antirretrovirais. “Não foi muito bom. Tive efeitos colaterais, mas a prevenção funcionou.”
Zufo diz que desde o início de sua vida sexual tomou precauções para evitar o HIV. Nos primeiros anos, foi fiel ao preservativo. “Era muito regrado. O medo da aids era grande.”
As coisas foram mudando depois de um relacionamento fixo. “Aos poucos, fui abandonando o uso.”
Quando o namoro acabou, ele retomou o preservativo, mas já não de forma tão regrada. “Mas me preocupo, daí ter recorrido à Pep (profilaxia pós-exposição ao HIV) e, agora, à Prep”.
Zufo afirma não ter planos de usar para sempre antirretrovirais. “Estou no programa Combina! Quando acabar, vou tentar obter o medicamento no SUS.”
Mesmo se conseguir, completa, pretende deixar a estratégia no futuro. “Se tiver um namorado fixo, talvez não seja necessário. O que quero é, qualquer que seja o método, garantir a minha segurança e do meu parceiro.”
Estratégia
As entrevistas feitas durante a pesquisa deixam claro que, quando informados, profissionais do sexo têm interesse em usar essa estratégia de prevenção. O pesquisador Alexandre Grangeiro diz ser essencial a criação de alternativas para o atendimento.
“Profissionais do sexo tinham um risco quase quatro vezes maior de interromper a terapia anteriormente”, observou. Para tentar reverter essa tendência, foi testado o atendimento aos sábados. Com a mudança, a adesão ao tratamento aumentou de forma expressiva. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.